Aqui está um tema que qualquer geógrafo "sonha". Poder participar diretamente na organização do território.
A reforma está aí, espero que a nação portuguesa saiba ultrapassar velhas questões e aproveite para, de facto, discutir a organização do seu território para o futuro. Em linhas gerais concordo com esta reforma já que, no país, há Juntas de Freguesia demasiado exíguas, com parcos recursos e míseras competências... Espero, no entanto, que depois de se arrumar a casa, no que toca a freguesias, municípios e associação de municípios se dê, finalmente, o passo essencial no ordenamento do território - a regionalização. Cada região deve ter a possibilidade de planear e gerir o seu futuro, pois apesar de sermos uma única nação, somos inevitavelmente diferentes. O futuro de Portugal não pode continuar dependente apenas de 1 poder central, este tem de delegar o que é específico a cada região, sejam elas 7 (5 continentais mais as 2 autónomas e insulares) sejam elas 9 ou 10...
Mas voltando à base e ao caso do município de Ponte de Lima em particular, com as suas 51 freguesias. As regras gerais estão no divulgado "Documento Verde da Reforma da Administração Local"
(http://www.portugal.gov.pt/pt/GC19/Documentos/MAAP/Doc_Verde_Ref_Adm_Local.pdf ).
Pelo que li, o nosso concelho irá sofrer uma grande e inevitável revolução no que toca à redução de freguesias. Mas há várias questões que se levantam antes de qualquer esboço de um novo mapa de freguesias em Ponte de Lima, pois os conceitos centrais da reforma não são definidos nem explicitados neste documento genérico. P.e. Área Predominantemente Rural (APR); Área Maioritariamente Urbana (AMU); Área Predominantemente Urbana (APU); distância à sede de concelho... entre outros. Sem a definição destes tudo o que se conjecturar não passará de pura "imaginação geográfica", pois o que é para mim APR pode não o ser para quem definiu este conceito. No que refere à distância a dúvida é qual o ponto de origem - será o edifício da Câmara Municipal!
As regras genéricas estão resumidas no quadro da pág. 24 deste documento e nas notas da pág. 25. Pela densidade populacional (a rondar os 138 hab./km2, segundo os dados retirados da Wikipédia) Ponte de Lima "encaixa-se" nos municípios de nível 2. Como o concelho tem mais de 25 000 habitantes (hab.) não se aplica o regime de coesão indicado nas notas da pág. 25. Sendo assim , o 1.º critério na definição de novas freguesias aplica-se às localizadas em sede de município, que num raio de 3 km desta deverão possuir um n.º mínimo de hab. de 15 000!? (exercício realizado com a régua do Google Earth, tendo como ponto de origem a etiqueta do software indicativa da sede de concelho) Com este número, aparentemente exagerado, parece evidente que se pretende evitar a sobreposição de sedes de freguesia com a sede de concelho como acontece atualmente. A confirmar-se este número parece-me que apenas teremos 1 única freguesia na área urbana de Ponte de Lima! O que atendendo à nossa realidade me parece pouco, talvez duas fossem o ideal (uma de cada lado da margem do rio Lima). Mas vejamos os números. Infelizmente não possuo os dados da população residente por freguesia mais recentes, dos Censos de 2011, apenas os de 2001 indicados pela Wikipedia. Apesar de a população no concelho ter diminuído ligeiramente, continuando a tendência, as freguesias "urbanas" terão ganho população... pelo menos a avaliar pela explosão de construção na área urbana de Ponte de Lima parece-me inevitável um aumento razoável de residentes na última década.
Em 2001 a soma da população das freguesias que incluem território neste raio de 3 km perfazia 16116 hab. Ou seja, será quase impossível, com os critérios apresentados, termos mais de 1 freguesia neste raio de 3 km da sede de concelho. Se isto vier a ocorrer pergunto-me o que irá acontecer com a "recém" criada "Vila de Arcozelo"?
Em 2001 o cenário em redor da vila de Ponte de Lima era o seguinte: freguesia de Ponte de Lima - 2752 hab.; Arca - 772; Feitosa - 828; Ribeira - 1841; Arcozelo 3932; Sá - 406; Santa Comba - 680; Correlhã - 3068; Rebordões (Sta Maria) - 1065; Fornelos - 1535; Refóios - 2282; Brandara - 479 = os tais 16116 hab. Tendo em conta que as freguesias de Sá, Rebordões Sta Maria e Refóios são apenas representadas por uma pequena porção do seu território neste raio de 3 km, são -3573 hab. e ainda Brandara que pouco ou nada tem a ver com o área urbana da vila, dos 16 116 hab. ficaríamos com 12 064, isto em 2001. Em 2011 não deveremos andar muito longe dos 15 000 hab.!
A confirmar-se será uma revolução... mas será que o 1.º critério é obrigatório! No documento nada diz, mas parece evidente que se trata de uma hierarquização dos critérios e como tal não se pode passar ao 2.º antes de "organizar" o 1.º. No entanto, no Cardeal Saraiva desta semana (n.º 4404), na notícia da pág. 17, refere que apenas as "duas (freguesias) da área urbana (de Ponte de Lima) estão dentro dos objectivos, mas que também serão reestruturadas" - ou seja, aparentemente não se tem em conta o1.º critério!?
No 2.º critério as dúvidas são outras. Este indica que em APR o mínimo de hab. para se constituir 1 freguesia são 1000 hab. e nas AMU e APU há 2 sub-critérios, digamos assim: se a freguesia for a uma distância superior a 10 km da sede de município poder-se-á constituir enquanto tal aglomerados populacionais com mais de 3000 hab., caso a distancia seja inferior a 10 km o número mínimo de hab. passa para 5000. A 1.ª questão que aqui se coloca é quais os critérios para se definir APR, AMU e APU. A 2.ª questão é como é feita a medição dos 10 km, se for da maneira mais simplista com uma régua da sede de concelho à sedes de junta atuais, então só as freguesias do Sul do concelho estarão a mais de 10 km.
Pelo que entendo de áreas urbanas fora da vila de Ponte de Lima não existirão no concelho APU, mas relativamente a AMU já não posso afirmar o mesmo. Imagino nestas condições o centro de Refóios do Lima ou de Freixo, p.e. mas como são freguesias de grande dimensão considerá-las AMU só o poderei fazer conhecendo a definição concreta do conceito. Se forem consideradas APR a tarefa será "aparentemente mais fácil"! Fácil não será, pois o nosso sentimento de pertença à terra onde nascemos pode despoletar "guerras" irracionais. Penso que não se pode levar esta discussão para o lado pessoal, teremos de ter consciência de que um município mais organizado, com menos, mas mais competentes e com melhores recursos, freguesias proporcionará melhor serviço a todos os munícipes e com isso todos sairemos a ganhar.
Mas há um aspeto fundamental que nunca poderá ser esquecido - os cidadãos têm de ter espaço para apresentar as suas opiniões e ideias, apesar de inevitavelmente alguém ter de ceder, nomeadamente naquelas pequeníssimas freguesias que o concelho possui e que não fazem, hoje em dia, razão de ser, apesar de até poderem ter um óptimo desempenho segundo a opinião dos seus fregueses.
As localidades não desaparecerão, sejam elas simples lugares ou mais organizadas aldeias, o que desaparecerá é a Junta de Freguesia, que por ventura em certos casos poderá ser substituída por um "gabinete de apoio ao munícipe"... (esta é apenas uma suposição minha, imaginando aqueles casos em que a distância relativa (é esta que importa sempre ponderar) à futura Sede de Freguesia assim o exija).
Outra questão mais polémica é a possível fusão de freguesias ou partes destas com freguesias de outro concelho, p.e. em caso de povoações contínuas em que apenas a linha imaginária do município as separa. Ou seja, se existir acordo poderá haver mudanças nas fonteiras de municípios ou mesmo fusão, mas ao contrário das freguesias, não está para já em cima da mesa "obrigar" à redução de concelhos.
É uma temática que poderá gerar conflitos, mas penso que se houver real discussão e a população se envolver de facto, poderá levar a um enriquecimento da nossa democracia nunca antes posta à prova a este nível. Sinto que esta está a definhar avaliando os recentes atos eleitorais em que reiteradamente o "partido" vencedor é a "abstenção". "Se fosse eu que mandasse" nunca um governante, seja a que escala for, deveria ocupar o "seu" cargo numa eleição em que afinal quem ganha é a abstenção e logo, não é eleito pela maioria dos eleitores, mas esse é outro problema.
Uma nota final para as CIM e AM (Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas) felizmente assim renomeadas, pois antes tínhamos AM e comunidades urbanas pelo país quase todo, como que a dizer "urbanizem-me"!?
Estas são de facto essenciais para determinadas questões sectoriais e poderão funcionar como "grupos de interesses" nas futuras regiões. Quero com isto dizer, que as CIM e AM nunca poderão ser vistas como substitutas da regionalização administrativa e política que o país precisa e que, espero, agora se inicia (pela base, como deveria ser sempre).
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